carreira e filhos

Carreira e filhos: é possível equilibrar sem culpa?

Eram 23h45 quando finalmente fechei meu laptop. Os relatórios estavam prontos para a apresentação da manhã seguinte, mas minha mente ainda não desligava. Enquanto caminhava pelo corredor escurecido de casa, parei no quarto das crianças. Meu filho de 4 anos dormia abraçado ao dinossauro de pelúcia, enquanto minha filha de 7 havia deixado os cadernos organizados para a escola. Senti aquela pontada familiar no peito — eu havia perdido a hora de contar histórias novamente.

De acordo com uma pesquisa recente do IBGE, 85% das mães brasileiras que trabalham fora relatam sentir culpa por não estarem presentes em todos os momentos dos filhos. Esse dado não me surpreende. Faço parte dessa estatística e, provavelmente, você também.

A ilusão do equilíbrio perfeito: vamos falar a verdade?

Equilíbrio. Essa palavra aparece em quase todos os artigos sobre maternidade e carreira. Como se existisse uma fórmula mágica onde conseguimos ser excelentes profissionais e mães presentes todos os dias, sem nunca falhar em nenhuma das frentes.

Vou começar desfazendo esse mito: o equilíbrio perfeito não existe.

O que existe são dias bons e dias ruins. Dias em que conseguimos administrar tudo razoavelmente bem e outros em que algo (ou muitas coisas) acaba ficando pelo caminho. E tudo bem. Precisamos normalizar essa realidade para começar a desconstruir a culpa que carregamos.

Quando comecei minha jornada no empoderamento feminino, ainda acreditava que poderia “dar conta de tudo”. Era uma armadilha. Hoje entendo que precisamos redefinir o que significa “equilíbrio” em nossas vidas.

Os desafios reais que ninguém mostra no Instagram

As redes sociais estão repletas de imagens de “supermães”: aquelas que acordam às 5h para meditar, preparam lancheiras elaboradas, têm carreiras de sucesso e ainda encontram tempo para hobbies. Porém, a realidade da maioria das mulheres que buscam conciliar maternidade e trabalho é bem diferente.

Entre os desafios reais que enfrentamos estão:

A pressão do tempo: Existem apenas 24 horas no dia. Quando trabalhamos fora, grande parte dessas horas já está comprometida, sem contar o tempo de deslocamento, preparação e a energia mental que o trabalho exige.

A culpa materna: Construída socialmente ao longo de gerações, essa culpa nos acompanha como uma sombra. Quando estamos trabalhando, sentimos que deveríamos estar com os filhos. Quando estamos com os filhos, pensamos nas pendências profissionais.

A divisão mental do trabalho: Mesmo com parceiros participativos, ainda recai sobre nós, mulheres, a maior parte da carga mental relacionada aos filhos. Somos nós que lembramos da vacina, da reunião da escola, da roupa que ficou pequena.

A constante autocobrança: Por trás do desejo de sermos boas profissionais e boas mães, existe uma voz que sempre nos diz que poderíamos fazer melhor.

Há alguns anos, quando minha filha adoeceu durante uma semana importante de fechamento de projetos, me vi dividida entre reuniões online e compressas de febre. Naquele momento, senti que estava falhando em ambos os papéis. Foi quando percebi que precisava mudar minha mentalidade.

Estratégias práticas para sobreviver (e prosperar) na dupla jornada

Ao longo dos anos, desenvolvi algumas estratégias que me ajudaram a encontrar não um equilíbrio perfeito, mas um arranjo que funciona para mim e minha família. Compartilho algumas delas:

1. Defina suas prioridades reais

Listar tudo que precisa ser feito diariamente e separar em três categorias: essencial, importante e pode esperar. Foque sua energia no essencial primeiro.

Exemplo prático: Em minha rotina, o momento do jantar com meus filhos é essencial, enquanto responder e-mails não urgentes pode esperar até depois que eles dormirem.

2. Abandone o perfeccionismo

O perfeccionismo é um dos maiores inimigos das mulheres que buscam conciliar carreira e maternidade. Aprendi que é melhor entregar um trabalho bom no prazo do que buscar a perfeição e me sobrecarregar.

Da mesma forma, um jantar simples mas preparado com amor alimenta tanto quanto uma refeição elaborada que nos deixa exaustas.

3. Pratique a presença plena

Quando estiver no trabalho, esteja 100% presente. Quando estiver com os filhos, desligue as notificações e esteja verdadeiramente com eles. Essa divisão clara ajuda a diminuir a sensação de que estamos sempre no lugar errado.

Uma prática que adotei foi estabelecer momentos sagrados com meus filhos: 20 minutos pela manhã e 30 minutos antes de dormir são exclusivamente deles, sem distrações.

4. Delegue sem culpa

Delegar não é falhar. É reconhecer que não podemos (e nem devemos) fazer tudo sozinhas. Seja na vida profissional ou doméstica, aprender a pedir ajuda é essencial para nossa saúde mental.

5. Redefina o conceito de “qualidade de tempo”

Não é a quantidade de horas que passamos com nossos filhos que determina nossa conexão com eles, mas a qualidade desses momentos. Meia hora de brincadeira focada, sem celular e interrupções, pode ser mais significativa do que horas de presença física mas ausência mental.

6. Cuide de si mesma

Auto-cuidado não é egoísmo; é necessidade. Reservar tempo para si mesma, mesmo que sejam apenas 15 minutos diários, faz toda diferença na forma como lidamos com os desafios.

Quando priorizei pequenos momentos para mim (uma caminhada, uma leitura, uma meditação rápida), percebi que tinha mais energia e paciência para lidar com as demandas do dia a dia.

O papel fundamental do parceiro e da rede de apoio

Uma das maiores descobertas em minha jornada foi entender que não precisamos fazer tudo sozinhas. Na verdade, não devemos.

A maternidade tem sido historicamente tratada como responsabilidade exclusivamente feminina, mas essa visão precisa mudar para que possamos alcançar verdadeiro empoderamento feminino.

Conversei claramente com meu parceiro sobre como me sentia sobrecarregada com as tarefas domésticas e o cuidado com as crianças, mesmo trabalhando as mesmas horas que ele. Juntos, redesenhamos nossa divisão de responsabilidades.

Alguns pontos importantes:

  • A divisão de tarefas não é “ajuda”, mas responsabilidade compartilhada
  • É essencial que ambos tenham tempo para carreira, lazer e autocuidado
  • A comunicação clara sobre expectativas evita ressentimentos futuros

Além do parceiro, construir uma rede de apoio é fundamental. Isso pode incluir:

  • Familiares que possam auxiliar em momentos específicos
  • Troca de cuidados com outras mães (rodízio para levar/buscar na escola)
  • Profissionais contratados quando possível (babá, diarista)
  • Grupos de apoio (online ou presenciais) para compartilhar experiências

Uma das melhores decisões que tomei foi participar de um grupo de mães empreendedoras. Ali, além de trocar experiências profissionais, criamos um sistema de apoio mútuo para emergências com as crianças.

Ressignificando a culpa: de fardo a combustível

A culpa materna parece inevitável em nossa cultura, mas podemos transformá-la em algo construtivo. Quando me sinto culpada por perder um evento escolar devido ao trabalho, uso esse sentimento para refletir: isso realmente prejudicou meu filho ou é minha autocobrança excessiva?

Muitas vezes, a culpa vem de expectativas irreais que impomos a nós mesmas. Nossos filhos não precisam de mães perfeitas — precisam de mães presentes quando realmente importa, que mostrem que é possível ter sonhos próprios e realizá-los.

É importante lembrar que estamos modelando comportamentos para nossos filhos. Quando eles veem uma mãe que busca equilíbrio, que se perdoa por seus erros e que persegue seus objetivos com paixão, estamos ensinando valores muito mais importantes do que a perfeição.

Conclusão: equilibrando sem idealizar

Conciliar maternidade e trabalho não é fácil. Haverá dias em que você se sentirá dividida, cansada e questionará suas escolhas. Isso não significa que você está falhando — significa apenas que você é humana, navegando em águas complexas.

O verdadeiro equilíbrio não está em fazer tudo perfeitamente, mas em fazer escolhas conscientes todos os dias, alinhadas com seus valores e prioridades. Às vezes, o trabalho precisará de mais atenção; outras vezes, os filhos serão prioridade absoluta.

O segredo está em abandonar a ideia de que existe um modelo único de “boa mãe” ou “boa profissional” e criar seu próprio caminho, respeitando seus limites e celebrando suas conquistas, por menores que pareçam.

Lembre-se: ao buscar seu equilíbrio pessoal sem idealizações, você está não apenas cuidando de si mesma, mas também abrindo caminho para outras mulheres se libertarem das amarras da perfeição.

E você, qual é sua maior dificuldade em conciliar tudo? Compartilhe nos comentários e vamos construir juntas uma nova narrativa sobre maternidade e carreira!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *