orgulho e preconceito

Orgulho, Preconceito e Protagonismo Feminino: O Reflexo da Mulher de Hoje

Introdução: O Romance que Transcende Gerações

Publicado em 1813, “Orgulho e Preconceito” de Jane Austen completou recentemente 212 anos e continua sendo uma das obras mais emblemáticas da literatura mundial. O que torna esta obra atemporal? Por que mulheres de diferentes gerações continuam se identificando com Elizabeth Bennet? A resposta está na genialidade com que Jane Austen retratou questões sociais, econômicas e de gênero que, apesar das transformações da sociedade, ainda ressoam no coração da mulher contemporânea.

Este artigo propõe um olhar reflexivo sobre o papel da mulher na obra de Austen e como sua protagonista, Elizabeth Bennet, representa uma ponte entre a mulher do século XIX e a mulher do século XXI.

Quem foi Jane Austen: A Voz Feminina que Desafiou sua Época

Jane Austen nasceu em 16 de dezembro de 1775 em Steventon, Inglaterra. Em uma época de educação limitada para mulheres, teve acesso a uma vasta biblioteca graças ao incentivo de seu pai, um clérigo. Este privilégio incomum moldou seu pensamento crítico e capacidade observacional.

A autora começou a escrever desde os 12 anos, mas seus romances foram publicados apenas a partir de 1811, com “Razão e Sensibilidade”. “Orgulho e Preconceito” foi lançado em 1813. Todos seus livros foram publicados anonimamente, como “Por uma Lady”, refletindo as limitações impostas às mulheres escritoras na sociedade georgiana.

Austen faleceu precocemente em 18 de julho de 1817, aos 41 anos, deixando um legado literário que revolucionou o romance inglês e introduziu uma perspectiva feminina única para a literatura mundial.

O Contexto Social do Século XIX: Um Mundo de Limitações Femininas

A Instituição do Casamento na Era Georgiana

No século XIX, o casamento não era simplesmente uma união afetiva, mas uma instituição social e econômica. Para mulheres da classe média, como as irmãs Bennet, o matrimônio representava a única forma aceitável de garantir estabilidade financeira e posição social.

O sistema de heranças da época, o “morgadio”, privilegiava os homens, especialmente os primogênitos. As propriedades familiares eram transmitidas pela linha masculina, explicando por que o Sr. Collins herdaria a propriedade dos Bennet.

Como destaca a doutoranda Nara Dias da USP: “Boa parte da narrativa de Orgulho e Preconceito gira em torno da instituição do casamento, e quatro uniões se completam até o fim da história. Mas a forma como cada casal se une é relevante, e o leitor atento percebe questões de classe e gênero debatidas ao longo da narrativa.”

O Papel Limitado da Mulher na Sociedade

As mulheres da Era Georgiana eram educadas para serem “belas e agradáveis” em vez de inteligentes e independentes. Sua educação concentrava-se em habilidades que as tornariam esposas atraentes: música, desenho, bordado e conhecimento superficial de línguas e literatura.

A sociedade impunha às mulheres a dependência constante de uma figura masculina. As “regras” de conduta feminina incluíam manter o status social através de um casamento vantajoso, aceitar a primeira proposta adequada, submeter-se às decisões familiares e dedicar-se exclusivamente aos papéis de esposa e mãe.

Elizabeth Bennet: Uma Mulher Além de seu Tempo

A Protagonista que Desafiou Convenções

Elizabeth Bennet destaca-se no universo austeniano como uma personagem revolucionária. Segunda filha da família Bennet, Lizzy é descrita como inteligente, perspicaz e dotada de um espírito crítico incomum para sua época.

Sua recusa à proposta de casamento do Sr. Collins – que garantiria a permanência da família na propriedade de Longbourn – demonstra sua insubmissão às convenções sociais. Elizabeth rejeita um casamento de conveniência, mesmo diante da pressão materna e das incertezas econômicas resultantes dessa decisão.

“Elizabeth é uma personagem além do seu tempo, mesmo vivendo em pleno século XIX, época em que as lutas em prol dos direitos femininos nem haviam começado ainda. Mesmo assim, ela não abaixa a cabeça para ninguém e luta por aquilo que deseja.”

A Evolução da Personagem: Do Preconceito à Compreensão

O fascínio que Elizabeth Bennet exerce até hoje sobre os leitores está relacionado à sua humanidade e trajetória de aprendizado. Inicialmente, ela julga Darcy baseada em primeiras impressões e relatos tendenciosos. Seu orgulho ferido a impede de enxergar além das aparências.

No entanto, ao longo da narrativa, Elizabeth revê seus julgamentos, reconhece seus erros e cresce como pessoa. Como destaca Nara Dias: “Eles só conseguem ficar juntos pois aprendem ao longo da narrativa: no fim do romance, eles não são os mesmos do início.”

A Mulher Contemporânea: Novas Liberdades, Antigos Desafios

Conquistas Femininas do Século XIX ao XXI

Entre a época de Jane Austen e os dias atuais, as mulheres conquistaram direitos fundamentais: educação formal, voto e participação política, independência econômica, direitos reprodutivos e igualdade jurídica.

“Uma das possíveis definições da mulher contemporânea é: aquela que através dos anos conseguiu sua inserção no mercado de trabalho, sua liberdade sexual e reprodutiva, conquistou sua independência financeira e seus direitos políticos.”

Os Dilemas da Mulher Moderna

Apesar dos avanços, a mulher do século XXI ainda enfrenta desafios complexos: conciliação entre vida profissional e pessoal, dupla jornada de trabalho, pressão estética e social, disparidade salarial e violência de gênero.

“O desafio para as mulheres, apesar da mudança de ano, continua sendo o mesmo: enfrentar a violência de gênero e a discriminação. Estas duas questões são enfrentadas há décadas pelas mulheres no Brasil e, apesar de avanços, ainda colocam em risco a vida feminina e também a sua colocação na sociedade.”

Paralelos Entre Elizabeth Bennet e a Mulher Contemporânea

A Busca pela Autonomia Emocional e Intelectual

Elizabeth Bennet, em sua época, representava um ideal de autonomia feminina emergente. Sua valorização da inteligência, recusa em se submeter a convenções sem questioná-las e determinação em fazer escolhas baseadas em seus próprios critérios a aproximam da mulher contemporânea.

Hoje, as mulheres têm mais opções e liberdade para fazer escolhas de vida, mas ainda lutam para que essas escolhas sejam respeitadas pela sociedade.

A Relação com o Casamento e o Amor Romântico

Elizabeth recusou um casamento de conveniência e só aceitou se casar com Darcy quando reconheceu nele um parceiro que valorizava sua inteligência e personalidade. Ela buscava um casamento baseado no respeito mútuo e no afeto verdadeiro.

A mulher contemporânea tem a liberdade de escolher se quer ou não se casar e não depende economicamente do matrimônio. No entanto, o ideal de encontrar um parceiro que a valorize por quem ela é permanece como um desejo legítimo de muitas mulheres.

“No íntimo de cada mulher existe uma Elizabeth Bennet que deseja encontrar paz através do amor e a sua própria família.” Esta afirmação revela que, por mais que a sociedade tenha evoluído, o desejo de conexão emocional significativa permanece como parte fundamental da experiência humana.

O Dilema Entre Pragmatismo e Idealismo

Tanto Elizabeth quanto a mulher contemporânea enfrentam o dilema entre ceder ao pragmatismo das convenções sociais ou seguir seus ideais e valores pessoais.

Na obra de Austen, Charlotte Lucas representa o pragmatismo ao aceitar se casar com o Sr. Collins por segurança financeira, enquanto Elizabeth representa o idealismo ao recusar essa mesma proposta.

A mulher contemporânea frequentemente se vê dividida entre adaptar-se às expectativas sociais ou seguir seus próprios desejos e convicções, mesmo enfrentando críticas e julgamentos.

A Evolução do Olhar sobre o Feminino na Literatura e na Sociedade

Como “Orgulho e Preconceito” Revolucionou a Literatura

“Orgulho e Preconceito” inovou ao apresentar uma protagonista feminina complexa, com virtudes e defeitos. Elizabeth Bennet é inteligente, mas também orgulhosa; perspicaz, mas também suscetível a preconceitos; corajosa, mas capaz de reconhecer e corrigir seus erros.

Austen revolucionou também o próprio gênero do romance, transformando-o em veículo para crítica social sofisticada e análise psicológica profunda.

O Romanticismo Escondido da Mulher Contemporânea

Apesar de todas as conquistas em direção à independência, muitas mulheres contemporâneas ainda cultivam secretamente ideais românticos semelhantes aos retratados por Jane Austen.

Este aparente paradoxo não é uma contradição, mas uma síntese: o desejo por conexão emocional autêntica não diminui a importância da independência e da autonomia. A diferença é que o casamento passou de necessidade econômica a escolha pessoal.

Entre a Necessidade e a Escolha: O Casamento em Diferentes Épocas

O Casamento como Transação Social no Século XIX

No contexto de “Orgulho e Preconceito”, o casamento era praticamente a única opção aceitável para uma mulher de classe média garantir seu futuro. As regras eram rígidas, priorizando aspectos financeiros sobre sentimentais e submetendo a vontade feminina aos arranjos familiares.

O Casamento como Escolha Pessoal no Século XXI

Para a mulher contemporânea, o casamento transformou-se de necessidade econômica em escolha pessoal. Hoje, as mulheres podem decidir se querem ou não se casar, escolher seus parceiros baseadas em afinidade, determinar o momento adequado e negociar os termos de seus relacionamentos em condições mais igualitárias.

O Orgulho e o Preconceito da Mulher Moderna

O Orgulho Feminino Como Fortaleza e Armadilha

Assim como Elizabeth Bennet, a mulher contemporânea frequentemente usa o orgulho como escudo protetor. Este orgulho pode ser fonte de força, mas também pode se tornar uma armadilha, impedindo conexões genuínas e o reconhecimento de equívocos.

Os Preconceitos que Persistem: Internos e Externos

Os preconceitos que a mulher contemporânea enfrenta são tanto externos quanto internos. Externamente, persistem expectativas contraditórias; internamente, muitas mulheres lutam contra preconceitos que elas mesmas absorveram.

A Cultura do “Tudo ou Nada” e o Equilíbrio Austeniano

A Pressão pela Perfeição na Era das Redes Sociais

As mulheres do século XXI enfrentam a pressão de serem simultaneamente profissionais bem-sucedidas, mães exemplares, parceiras atraentes e indivíduos realizados em todos os aspectos da vida. As redes sociais amplificam estas expectativas irreais.

A Sabedoria de Jane Austen: O Valor do Equilíbrio

Jane Austen nos oferece uma sabedoria que permanece relevante: a importância de encontrar o meio-termo entre orgulho e humildade, entre independência e conexão emocional, entre autoafirmação e consideração pelos outros.

Para a mulher contemporânea, este equilíbrio austeniano pode significar buscar realização profissional sem sacrificar completamente a vida pessoal, valorizar relacionamentos sem abrir mão da autonomia e reconhecer vulnerabilidades sem se sentir diminuída.

A Elizabeth Bennet que Habita em Cada Mulher

O Legado Eterno de “Orgulho e Preconceito”

“Orgulho e Preconceito” permanece relevante não apenas como documento histórico ou romance de época, mas como uma obra que captura verdades essenciais sobre a condição humana e, especialmente, sobre a experiência feminina.

Encontrando sua Própria Narrativa no Século XXI

Cada mulher contemporânea carrega algo de Elizabeth Bennet consigo. No entanto, diferentemente de Elizabeth, a mulher do século XXI tem maior liberdade para escrever sua própria narrativa e fazer escolhas que não eram possíveis há dois séculos.

O desafio atual não é mais lutar pelo direito de escolher, mas sim navegar um oceano de possibilidades e expectativas contraditórias, encontrando um equilíbrio que faça sentido para sua própria vida.

Conclusão: A Busca Pela Autenticidade Atravessa os Séculos

O que conecta Elizabeth Bennet à mulher do século XXI é a busca por autenticidade – o desejo de viver de acordo com seus próprios valores e convicções, mesmo quando isso significa desafiar expectativas sociais.

O que “Orgulho e Preconceito” nos ensina é que a verdadeira realização está em encontrar um caminho que harmonize nossas necessidades interiores com as circunstâncias externas – um equilíbrio que permita tanto a afirmação da individualidade quanto a conexão com os outros.

Talvez cada mulher moderna ainda guarde uma Elizabeth Bennet dentro de si – não necessariamente buscando seu Sr. Darcy, mas sim buscando a liberdade para ser verdadeiramente ela mesma e a coragem para lutar pelo direito de definir sua própria felicidade.

Referências Bibliográficas

AUSTEN, Jane. Orgulho e preconceito. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martin Claret, 2015. Adquira o livro aqui.

SOUZA, Warley. “Orgulho e preconceito”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/orgulho-e-preconceito.htm. Acesso em 16 de maio de 2025.

“A mulher contemporânea – Bem Viver Mais”. Disponível em: https://bemvivermais.com/a-mulher-contemporanea/. Acesso em: 16 de maio de 2025.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *